Álbum gravado por Mário Laginha e Bernardo Sassetti há dez anos, inicialmente integrado numa edição comemorativa dos 30 anos do 25 de Abril, foi recentemente reeditado pela Companhia Nacional de Música.
Foram dez os temas ligados à Revolução que Mário Laginha e Bernardo Sassetti recriaram, como Grândola, vila morena, de José Afonso, ou E depois do adeus, de José Niza e José Calvário, interpretada por Paulo de Carvalho e que serviu de senha à revolução de 25 de Abril. No disco retrabalharam ainda o hino A internacional, recorrendo a caixas de música que lhes foram entregues por Ruben de Carvalho, bem como We shall overcome, um hino do Movimento dos Direitos Civis nos EUA, e Los 4 generales, tema popular que fez parte da resistência republicana na Guerra Civil espanhola de 1936.
E bastou um dia para que Mário Laginha e Bernardo Sassetti gravassem este Grândolas: Abril a Quatro Mãos, o disco que há dez anos foi integrado numa caixa toda ela dedicada à história das canções ligadas ao 25 de Abril, e que foi agora reeditado, individualmente, para assinalar desta vez os 40 anos da Revolução dos Cravos.
Mário Laginha recorda-se bem desse intenso dia de gravações, que começou depois de almoço e terminou já de madrugada. "Tivemos de ser céleres a escolher os temas, a decidir quem fazia os arranjos, porque depois gravámos o disco todo num só dia. Acabámos às quatro da manhã, sendo que eu tinha um voo às oito, para França. Fomos para a casa do Bernardo, de rastos, e eu só pensava que não podia adormecer, então ele meteu-me a ver um filme e uma hora depois já estava a ir para o aeroporto", lembra o músico ao DN.
O projeto começou com um convite feito por Rúben de Carvalho, de forma a integrar essas reinterpretações de temas da revolução no álbum Grândolas. "Quando o Rúben nos falou disto ficámos muito entusiasmados, porque já gostávamos muito das músicas do Zeca Afonso. Com o convite era também suposto tocarmos outras músicas ligadas ao 25 de Abril e, mais tarde, viemos a saber que algumas dessas músicas estiveram para ser a senha [da revolução]. O Venham mais Cinco é uma delas, mas não foi porque estava censurada."
Os vários temas deste Abril a Quatro Mãos têm um valor simbólico e político muito forte, mas isso não toldou a liberdade com que Laginha e Sassetti se entregaram às composições. "O facto de uma pessoa respeitar uma música, o seu conteúdo e a sua mensagem nunca deve impedir que as abordemos com liberdade, pelo menos do ponto de vista de músicos que improvisam, como nós", salienta.
Ainda hoje estas canções mantêm uma grande atualidade, lembra o pianista. "Muito daquilo que se tornou possível com o 25 de Abril e que uma pessoa achou, a dada altura, que era para sempre, como as regalias sociais, a educação e saúde para todos, tem estado a ser posto em causa nos últimos dois, três anos. Por outro lado, há a sensação da falta de autonomia do País, porque a ditadura monetária pode ser uma ditadura fortíssima e as pessoas estão a sentir que alguém manda em nós. Existe uma atualidade nestas canções que preferia que não existisse."
Curiosamente, o próprio Mário Laginha celebra o seu aniversário a 25 de Abril, tendo feito 14 anos no dia da Revolução. "Supostamente íamos festejar o meu aniversário e, de repente, ninguém se lembrava que eu fazia anos. Na altura não tinha consciência política, aquilo passava-me um pouco ao lado. Precisei de dois dias de uma educação política radical para perceber e depois já andar com o meu pai na rua a fazer "V" de vitória", recorda.
A reedição de Grândolas: Abril a Quatro Mãos, levada a cabo pela Companhia Nacional de Música, vem acompanhada de uma entrevista que os dois músicos deram ao DN em 2004.
Fonte: Diário de Notícias